HÁ SEMPRE UM LIVRO...à nossa espera!

Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

My Photo
Name:
Location: Norte, Portugal

Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Thursday, August 10, 2006

“pescadores de estrelas” de Helena Malheiro (Oficina do Livro)


O título deste segundo livro de contos de Helena Malheiro remete, imediatamente, para o mundo do sonho e da fantasia. A própria capa faz lembrar uma praia de areia azul safira polvilhada de micro diamantes. Uma paisagem de Neptuno ou Urano. Ou de um planeta de uma outra galáxia qualquer.

A candura e a simplicidade das estórias de pescadores de estrelas contrasta com os desconcertantes finais dos contos de O Tamanho do Mundo. Por outro lado, a emotividade é o tema central da maior parte dos contos de pescadores de estrelas onde a repetição anafórica de alguns parágrafos chave, marca a cisão espaço temporal, a fronteira entre a realidade e o sonho, entre passado e presente ou mesmo a própria fragmentação do Eu.

A qualidade estética sobressai em textos como Máscara, cuja epígrafe descreve o universo emocional em que está mergulhada a obra.

“Cansei de tirar a máscara
Às múltiplas faces da noite.
Segurem-me.
Tenho por vezes a tentação
De encher eu a noite de máscaras.”

A noite simboliza o sonho, a fantasia, as inclinações naturais ou os impulsos para fazer aquilo que mais se gosta. Uma tendência que é limada pelo processo de socialização – a aprendizagem do comportamento segundo os padrões da sociedade em que vivemos, isto é, de acordo com as regras que orientam a conduta dos adultos – e pela necessidade de sobrevivência, que implica uma estratégia de adaptação ao convívio com o Outro. Daqui nasce a obrigatoriedade de ocultar esse mesmos impulsos atrás da máscara do socialmente correcto ou da submissão à vontade do Outro, pelo recalcamento da vontade e pelos desejos do Mesmo. A máscara é a despersonalização ou o cobrir da nossa primitiva persona (máscara) com outra que não é a original, mas uma versão adaptada do Eu.

E deixamos de ser nós para passarmos a ser aquilo que os outros esperam de nós. As estrelas apagam-se e mergulhamos na escuridão opressiva da realidade.

Em Máscara, a fronteira entre o sonho e essa mesma realidade esbate-se, assim como a distinção entre o Eu e o Outro.

A pessoa que está sentada à lareira a beber chá, enquanto sonha com um cavalo negro a galopar por uma floresta sombria, é a mesma que bate à porta da cabana. A linguagem utilizada é codificada, onírica e, a construção da trama, faz lembrar um quadro surrealista. O cavalo negro simboliza a sensualidade da personagem que está sentada à lareira; a floresta e as árvores são os obstáculos à concretização dos objectivos. O facto de, nem a cavaleira nem a espectadora que bebe chá em frente à lareira conseguirem abrir a porta, exprime o medo de olhar para dentro de si, por um lado, e de enfrentar os próprios desejos e superar os obstáculos, pelo outro. A porta pode, também, simbolizar a fragmentação do Eu.

A Queda de Pompeia é uma estória de contrastes. É composta por duas narrativas paralelas a partir da mesma data, 24 de Agosto, que marca a célebre erupção do Vesúvio que arrasou com as cidades de Pompeia e Herculanum. Ambas as situações são desenvolvidas em alternância, fazendo com que passado e presente se aproximem e, simultaneamente, se afastem. A mesma data marca dois momentos históricos diferentes: no presente, Clara vive uma situação de desamor na Lisboa do início do século XXI; em Pompeia, no ano de 79 d.c., Lívia procura desesperadamente o seu amante, pressentindo a aproximação de uma catástrofe. O mesmo calor opressivo está presente como pano de fundo em ambas as narrativas. Estas personificam as duas faces do amor – uma positiva e outra negativa. O eterno e o efémero. O finito e o infinito. O saudável e o insano. O contraste está patente até na oposição da descrição física das duas personagens femininas – Lívia e Clara. A primeira, morena de olhar verde; a outra, loira de olhos castanhos.

O calor da tarde, que aumenta com o passar das horas em vez de diminuir é, só por si, um indício de tragédia, um factor climático que faz aumentar a tensão das personagens e o suspense do próprio leitor.

A lava do Vesúvio, que imortaliza os amantes em Nápoles, preservando o seu amor para a eternidade, assemelha-se ao vomitar da lava negra composta pela torrente de palavras cáusticas que marcam o fim do amor de Clara e Nuno, no tempo presente.

Pescadores de estrelas, a estória que dá o título à obra, inspira-se na frase retirada de O Principezinho de Antoine Saint-Exupéry.

“se calhar as estrelas só estão iluminadas para que, um dia, cada um de nós possa encontrar a sua”.

A candura e a beleza deste texto reflectem-se nas atitudes do pequeno grupo de crianças que, à noite, passeiam com canas de pesca viradas para o céu, à procura de estrelas que possam apanhar. Um texto que, por si só, faz com que valha a pena comprar o livro. Ao mergulhar no mundo perfeito dos jovens aventureiros para os quais a imaginação não tem limites e cujos sonhos não se enquadram na moldura do pensamento cartesiano dos adultos, ficamos com a sensação de que a palavra impossível é um absurdo. E que, no Universo, só há lugar para o belo, o fantástico, o maravilhoso. Até que o tempo se encarregue de fazer com que se preocupem com coisas banais como, por exemplo, a sobrevivência.

Regresso é a depuração e o minimalismo na simplicidade de um diálogo onde se tenta recuperar a felicidade perdida. Onde o Tempo surge como o agente catalizador da Mudança. A simbologia da máscara surge, mais uma vez, como uma distorção ou desvio do caminho da felicidade. A desistência dos próprios desejos em favor dos do Outro. Ou, a paixão recorrente de duas pessoas que, tal como duas rectas paralelas, só se encontram no infinito, num tempo distante, num momento ínfimo do tempo e não no prolongamento de uma vida.

Filho é outra pérola literária desta obra. A evocação de um fim-de-semana em Lugano, onde a solidão interior da narradora contrasta com a felicidade doméstica da família em casa de quem está hospedada. O quadro de uma felicidade alheia, invejada, desejada e conseguida, anos depois, como o prémio supremo.

O outro lado é mais um conto a remeter para o anterior volume de pequenas estórias publicado pela autora.

Desta vez, a inspiração vem de Jorge Luís Borges:

“Não sei se voltaremos num ciclo segundo
Tal como os algarismos em fracção periódica
Mas sei que uma obscura rotação pitagórica
Noite a noite me deixa um lugar no Mundo”.

Um conto onde a repetição anafórica efectuada até ao limite da obsessão nos leva até ao tema da reencarnação através pela utilização de um paralelismo estabelecido entre duas épocas diferentes, tal como em A Queda de Pompeia. O monge copista medieval, que escreve no pergaminho usado depois de raspar o texto do autor original; e a narradora do texto na época actual, que distorce os seus pensamentos originais, apagando-os e substituindo-os por outros, numa sequência periódica que se repete até ao infinito. Noite após noite. Máscara após máscara.

Espera é uma analogia entre dois momentos temporais diferentes. A criança de dez anos vigia os ponteiros do relógio à espera da chegada dos pais. Mais tarde, a mesma espera ansiosa, pela noite dentro, aguardando o amante que tarda em chegar.

Veneza incompleta é o sonho não concretizado por falta de verdadeira motivação. A descrição pormenorizada da antiga Rainha do Adriático, com a sua luminosidade e atmosfera intemporal proporcionada pela arquitectura e pelas obras de arte dos grandes mestres, reconciliam o passado e o presente e conferem a esta estória um sabor muito especial a libertação, mudança e recomeço.

Bichinho da conta fala do mundo dos seres pequeninos e da evolução de uma criança que cresce no sentido contrário: cada vez fica mais pequenino. A ternura colocada neste mini conto está expressa no uso dos diminutivos e na adaptação à linguagem das crianças pequenas que não conseguem dizer os r.

Amor é uma estrela que explodiu e deixou um vácuo, um buraco negro no universo. Fala da perseguição do sonho de amar.

Em Elas, Clara e Nuno, as mesmas personagens da narrativa do tempo actual de A Queda de Pompeia aparecem, aqui, como personagens secundárias. O protagonista é uma espécie de Cyrano de Bergerac dos tempos modernos.

Casa é a negação da realidade, o negativo de uma fotografia da qual se toma consciência pela referência a uma “lua preta”. A negação da infelicidade. Um eclipse. Ou a máscara do sonho. A realidade camuflada que oculta aos amantes o caminho da busca da felicidade. Ou talvez não...

A surpresa e a desilusão chegam-nos com Disfarce onde as duas personagens femininas têm a mesma aparência de Lívia e Clara de A Queda de Pompeia.

Rosas é o terceiro melhor texto da obra. O involuntário poder de sedução e o magnetismo inconsciente da mulher que é livre, cuja acção não é limitada pelas obrigações domésticas. Feminina, bela, desejada e, aparentemente, solitária. Uma situação que não se compara à servidão a que está sujeita a narradora, rejeitada pelo amante/marido, dia após dia. A deusa indiferente desperta um amor fatal num homem vulgar. E a curiosidade da vizinha que, misturada com uma secreta admiração e uma pontinha de inveja…

…despoletam o desvendar da trama…

pescadores de estrelas é a obra de Helena Malheiro onde imperam, mais do que tudo, a obsessiva perseguição do amor e da felicidade – indissociáveis para a maior parte dos humanos.

Um hino à Idade do Ouro da Humanidade. A nostalgia face à infância perdida, pela expulsão dos amantes edénicos do seu paraíso genesíaco…

A beleza cândida do Sonho primordial.


Cláudia de Sousa Dias

7 Comments:

Anonymous Anonymous said...

“se calhar as estrelas só estão iluminadas para que, um dia, cada um de nós possa encontrar a sua”...

Abaixo as noites enevoadas! Pelo direito de cada um à sua estrela!

Mais sugestões de verão: "A Palavra Mágica" do Rui Zink, "Memórias das Minhas Putas Tristes", Garcia-Marquez, "O Vendedor de Passados", José Eduardo Agualusa, "Um Rio Chamado Tempo Uma Casa Chamada Terra", Mia Couto.

5:24 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Olá Alfredo!

De todos os livros que mencionaste há apenas um que já foi comentado por mim,penso que está no arquivo de Fevereiro de 2006 - "Memória das minhas putas tristes" do Gabo. "O Vendedor de passados está na minha extensíssima lista de compras.

CSD

6:50 PM  
Anonymous Anonymous said...

Já tive a oportunidade de "espreitar" a crítica com a qual, de resto, me identifico.

Curiosamente, deparei-me, no mesmo arquivo, com uma crítica a "O Amante", que há pouco tempo voltou a passar pela minha cabeceira...

Um abraço

alfredo.valente@netc.pt

4:22 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Vai!
Já a Seguir!
Estou a brincar.Vou postar um comentário a mais uma obra dela mais lá para o fim da tarde.Estou só a fazer os últimos ajustes, no texto.

temos é que começar a pressionar as grandes editoras para publicarem as obras dela.

Sinceramente, não sei como é que elas não se pegam à estalada para o fazer!(lol)

Beijinhos
CSd

CSd

12:24 PM  
Blogger GNM said...

A tua crítica é algo de extraordinário.

Gostava de de te falar ctg por mail - tenho uma sugestão a fazer-te -, mas desconheço o teu mail.
O meu mail é goncalonunomartins@iol.pt
Se puderes, dá-me as tuas coordenadas!

Continua a sorrir!

2:23 AM  
Anonymous Anonymous said...

Querida Cláudia,
Adorei a sua crítica sobre o meu livro. Mais uma vez conseguiu "entrar" dentro dele e da minha alma...
Se vier a Lisboa não deixe de me dizer :helenamalheiro@netcabo.pt.Gostaria de ter o seu email.
Um abraço da Helena Malheiro

9:08 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Helena, fico feliz que tenha gostado!
O meu e-mail é

claudia_sousa_dias@hotmail.com

E é claro que darei notícias na primeira oportunidade que vá a Lisboa!

Um abraço cheio de amizade

CSD

1:01 PM  

Post a Comment

<< Home