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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Thursday, April 19, 2007

“Nostromo” de Joseph Conrad (Dom Quixote)


Um romance épico sobre a presença britânica na América do Sul, onde se aborda, também, a problemática das relações económicas com uma potência emergente: os Estados Unidos da América.

«Têm-me chamado escritor do mar, escritor dos trópicos, um escritor descritivo – e também realista. Na verdade, toda a minha preocupação se tem centrado no valor “ideal” das coisas, das pessoas, dos acontecimentos. Só isso e nada mais... A tarefa que tento levar a bom termo é, através do poder da palavra escrita, fazer-vos ouvir, fazer-vos sentir – é, antes de mais, fazer-vos ver.»


Joseph Conrad

Segundo o prefácio da obra, escrito pelo próprio Autor, a natureza da sua inspiração sofreu uma subtil alteração a partir da colectânea de contos intitulada de Tufão. Foi por volta de 1876, durante uma curta estadia nas índias ocidentais, mais propriamente no Golfo do México, que o então jovem Joseph Conrad ouviu falar acerca de um homem que «teria roubado sozinho uma barcaça carregada de prata, algures na costa de Tierra Firme, durante uma Revolução» (sic).

Vinte e sete anos mais tarde, o Autor depara-se com a mesma história, narrada num velho livro que encontrou num alfarrabista...

Parecia, de facto, que o espertalhão tinha conseguido apoderar-se da prata, por gozar da total confiança do patrão. A narrativa, a cargo de um marinheiro, caracteriza o intrépido indivíduo como «um escroque insaciável, um larápio estupidamente agressivo, mesquinho e antipático» não sendo minimamente merecedor da sorte que o favorecia, ao gabar-se abertamente da façanha. Para além disso, gozava de grande carisma e prestígio na povoação onde teria efectuado o roubo, pelo que, se fosse denunciado por um forasteiro, ninguém lhe daria crédito.

Este foi o ponto de partida para a construção do romance de Conrad. A personalidade do ladrão, complexa e cheia de contradições, intrigava-o a ponto de pensar que, provavelmente, as coisas não seriam tão lineares.

«O ladrão oportunista poderia até ser um homem de bem, agente e vítima das reviravoltas de uma revolução». A partir daí, foi só construir a paisagem da terra imaginária de Sulaco, isolada pela Sierra e pela bruma marítima.

É nesta altura que o Autor decide, regressar à América Latina, para se embrenhar no conhecimento profundo da região e construir o complicado enredo político da República de Costaguana e da província de Sulaco, a Terra da Prata.

A principal fonte foi, de acordo com o Autor A História de Cinquenta anos de Desordem de um amigo seu a quem chamou de Dom José Avellanos e que figura no romance: o aristocrata, pai de Antónia – uma bela Minerva da belle Époque. O Autor afirma que o livro do suposto Dom Avellanos nunca chegou a ser publicado...

Sobre Nostromo, o Autor decidiu atribuir-lhe antepassados italianos pelo facto de, nessa altura, a América Latina ser um dos destinos preferidos para o impressionante fluxo de imigração vindo daquele país. Conrad queria, também, que fosse um “homem do povo”. Estas duas características permitem-lhe torná-lo próximo de Giorgio Viola, um garibaldino convicto, idealista das velhas revoluções humanitárias. Sendo assim Nostromo é um homem que não pretende ascender à aristocracia mas antes tornar-se num líder representante das massas populares. Um homem cuja fidelidade é “mesclada de amargura” e devoção “mesclada de ironia”. A morte liberta-o “das grilhetas do Amor e da Riqueza”.

No outro extremo do mesmo continuum, encontra-se Antónia Avellanos, a aristocrata que desperta a paixão num jovem jornalista, boémio e diletante. O autor construiu Antónia à imagem e semelhança da sua primeira paixão. Mulher de acutilante sentido crítico, de uma franqueza mordaz, que se mantém como uma deusa no seu pedestal, Antonia permanece sempre perfeita, sempre inatingível.

As restantes personagens estão, na sua quase totalidade, estritamente interligadas, desde o casal Gould, - os carismáticos “reis de Sulaco”, uma vez que a responsabilidade +pela concessão e gerência da mina, lhes permite gerar riqueza e criar emprego em Sulaco, sustentando a esmagadora maioria das famílias. A bela e delicada Emily Gould, torna-se alvo da admiração da população em geral pela sua doçura e altruísmo. Ao passo que, Charles Gould, apesar de respeitado, vai-se afastando gradualmente de tudo e de todos, obcecado pelo seu ideal, ao encarar o desenvolvimento da região ligado à mina como uma missão, na tentativa de colmatar aquilo que considera como fraqueza e fracasso do pai.

Já o aparentemente cínico Dr. Monygham, o médico da mina e admirador incondicional de Mrs. Gould, assemelha-se fisicamente ao próprio Autor , também, na própria adoração pela “primeira-dama de Sulaco”, assemelhando-se à devoção dos católicos crentes à Virgem.
Antónia, grande amiga de Emily, é uma aristocrata intelectual, cuja beleza e comportamento, marcado pela indiferença face às convenções, são dois factores que não impedem, contudo, de escandalizar a ultra-conservadora sociedade sul-americana. Mas apesar ou se calhar, por isso mesmo, Antonia consegue cativar a admiração de Martin Decoud, o jornalista costaguanense dos boulevards, cuja blague e diletantismo intelectual o impedem, inicialmente, de ser levado a sério pelos locais.

Emily Gould toma, também, a seu cargo, a protecção das duas belas filhas de Giorgio Viola: a passional Linda e a delicada e angélica Giselle.

À parte, está o caracter dos líderes políticos de Costaguana – os abutres que esperam abocanhar a prata da mina de Sulaco.

Pedro Montero, é um arremedo de Napoleão, cuja boçalidade nunca consegue vencer a fleuma de Charles Gould e seus aliados, usando de chantagem, extorsão ou tortura.

Por outro lado o belo capitão Sotillo, refugiado numa insana megalomania e no conceito distorcido de si próprio, sucumbe à obsessão da aquisição de riqueza fácil e à mania de perseguição que acabam por destruir o que resta da sua sanidade mental.

A Febre da Prata é uma epidemia que se dissemina rapidamente em Sulaco, despertando a cobiça entre as diferentes facções políticas que tentam neutralizar-se mutuamente.

A fatalidade abate-se sobre Sulaco e atinge sobretudo as mulheres sobreviventes à praga argêntea, que vegetam numa vida sem amor.

Todas amaram no passado e é a recordação do Amor que as mantém vivas com uma trémula chama de paixão que arde sobre as cinzas e a cor cinza da prata.

Com excepção de Linda, a belíssima filha mais velha de Giorgio Viola, que não resistiu à constatação de amar sem ser correspondida. Linda é uma mulher de paixões violentas e insubmissa, mas com um ego frágil – características que despertam o receio de Nostromo em convertê-la em sua mulher.

Já a doçura e a serenidade de Giselle, com o seu ar de musa da Renascença, aliados a uma extrema juventude e aparente submissão, cativam o italiano. Mas apesar da sua aparente delicadeza, Giselle é suficientemente forte para aguentar as perdas.
Antónia sobrevive, também, à perda com a dignidade de uma aristocrata. Ou de uma deusa do Olimpo.

O estilo apaixonado com o qual Conrad descreve as personagens femininas, a precisão e o realismo com que descreve as motivações das personagens masculinas, com particular incidência em Charles Gould e Nostromo e a luxuriante descrição da esmagadora beleza da paisagem de Sulaco, tornam Nostromo num dos grandes clássicos do último século.

Da mesma forma, a beleza trágica do final, aproximam-no dos grandes pilares da literatura universal como Homero ou Sófocles.

Apaixonante.

Recomendável no período de férias, num lugar exótico, à sombra de uma palmeira...


Cláudia de Sousa Dias

24 Comments:

Blogger rtp said...

Acabei de ler "O coração das trevas" do mesmo autor. É uma obra muito interessante e também muito pesada apesar do número reduzido de páginas que a compõem. É um livro que nos faz reflectir sobre a ideia de progresso, sobre o sentido do devir da humanidade. Depois de fazer um intervalo, em que irei desbravar obras de outros autores, voltarei a Conrad para ler a obra de que agora nos falas em tão inspirado post! :-)

1:54 AM  
Blogger Miss Alcor said...

Que lindo!
Mais um texto maravilhoso, e mais uma óptima sugestão!

2:14 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Olá RTP!

Também tenho o coração das trevas em casa para ler, mas antes ainda vão aparecer por cá alguns posts baseados em outros autoreS!

Miss Alcor, um beijo para ti!

CSD

5:32 PM  
Blogger un dress said...

cada vez que te leio...

tomo mais consciência do pouco tempo para TANTO.

mas por outro lado, o que escreves, anuncia-me outras possibilidades!!


beijO. bOm dia cláudia :)

3:04 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Omeu também já começa a escassear!

Agora que trabalho de manhã num call-center, a formação às 4ªs de tarde e a preparação do debate para 3ªa feira, postar dois textos por semana tornou-se impossível!

Beijos

10:19 PM  
Blogger inominável said...

pareces ocupada ;) prepareação de debates? onde trabalhas? desculpa a cusquice e o interesse e a ignorância!!!!

Perguntaste no meu post "mas porquê?" ... respondo só que o tempo mata tudo... li há tempos um livro light que me "explicou" que "no primeiro ano compram-se os móveis; no segundo, mudam-se os móveis de sítio; no terceiro, dividem-se os móveis"...

mas o meu poema não era só sobre os móveis e com quem os partilhamos, verdade???

Sabes quem ando a ler agora??? o albanês Kadaré: comprei 3 de uma vez, com portes de envio para Berlim... está a valer muito a pena...

Um autor cheio de ironia muito em moda aqui em terras germanas é o Wladimir Kaminev... deixo-te o nome mas do que li só aconselho "Militätmusik", já traduzido em POrtugal... muita crítica ao sistema soviético...

deixo-te ainda dois beijos e o desejo de que passes uma semana com bons livros...

9:22 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Adorei a sugestão e também saber que está a gostar de Kadaré.
Na biblioteca de Famalicão está a decorrer, até às 19 e 30 de hoje, uma mini-feira do livro, com pérolas da d. Quixote a 1Euro!!!

É normalmente nestas ocasiões que eu perco a cabeça e a carteira!

O debate a que me refiro é aquele que faço mensalmente na biblioteca de Vila Nova de famalicão.

Hoje estou a acabar de ler "A Última Tentação de Cristo" De Nikos Kazantzakis.

Amanhã à tarde faço o resumo e comentário, porque à noite vou passar o filme baseado na obra e realizado por Scorcese, após o qual se segue o debate.

O que vem a propósito das mais recentes descobertas arqueológicas em Israel...

Beijo grande!

CSd

PS: Se puderes aparece por cá por volta das 21 e 30!

6:41 PM  
Blogger inominável said...

dificilmente, com poiso em Berlin... se puderes, aparece por cá: empresto livros com facilidade LOL

;)

1:12 PM  
Blogger Luis Beirão said...

Claudia,

Tambem eu ja li "O Coracao das trevas", deste mesmo autor, e gostei bastante. Alias, na altura que fui ver o filme luso-brasileiro "A Selva", lembrei-me muito de certos paralelismos... Mas este livro não conheço... Vou ter que tentar arrnjar tempo para ler.

Abraço
Luis

3:24 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Luis: "A Selva" é um dos filmes/livros que quero passar e debater no CIneliterário de 2008!

"O Coração das trevas", mais semana ou menos semana, também vou comentar aqui!

Bjo

CSD

5:23 PM  
Blogger rtp said...

Estou à espera, CSD! :-)

12:43 AM  
Blogger Nilson Barcelli said...

Mais um para a minha lista.
Ainda me levas à falência...
A tua análise, como sempre, é brilhante.
Um beijo.

11:09 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

O libreto de Latraviata, foi isso que fiquei de te enviar,cert, RTp?

Já te envio!

Um beijo também para ti, Nilson!

CSD

4:19 PM  
Blogger -pirata-vermelho- said...

(És uma grande mulher, Cláudia!
Vi nas conversas aqui em cima...))

12:10 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Grande...não muito!

Só 1,65m!

;-)

Já estava com saudades tuas!

Beijo grande

5:00 PM  
Blogger Fabiula said...

Olá Claudia! Que delícia o encontro uqe tive com seu blog. sou uma leitora compulsiva e há tempos procurava algo assim, como voc~e e seus comentários. De Joseph Conrad, li o Coração das trevas, foi um livro que ficou comigo por meses, mesmo depois de tê-lo terminado, tal a sensação que me causou.
Você gosta de literatura brasileira. Moro no Brasil e gostaria de saber sua opinião sobre alguns de nossos escritores.
Um grande beijo,
Fabiula.

3:36 PM  
Blogger Fabiula said...

Olá Cláudia! Fantásticos seus textos, foi uma delícia o encontro com seu blog.
Sempre que leio Joseph Conrad fico com ele por muito tempo me acompanhando, tal a sensação que me causa.
Você gosta de literatura brasileira, moro no Brasil e gostaria de saber o que você acha de nossos escritores.
Beijo grande,
Fabiula.

3:40 PM  
Anonymous Anonymous said...

Interesting to know.

1:40 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Fabiula, de certeza que haveremos de passar horas a falar dos escritores brasileiros. Quanto a Conrad, não poderia estar mais de acordo.

Um abraço.

4:43 PM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

Thnks for passing by, Edaline.

CSD

4:44 PM  
Blogger Unknown said...

mas não America del Sur senão América Central na área mexicana, pode ser Guatemala.
É America Central o até América do Norte

12:13 AM  
Blogger Unknown said...

mas no é América do Sul, é América Central, na região mexicana -pode ser uma Guatemala-..., quase América do Norte

12:15 AM  
Blogger Unknown said...

más não América do Sul, é América do Norte na região mexicana -uma Guatemala- quase América do Norte.

12:16 AM  
Blogger Claudia Sousa Dias said...

pois...se calhar, tem razão.Aqui na Europa, englobamos a América Central e a o Sul, ou seja, a sul da fronteira do EUA com o México é tudo Sul.


:-)

1:06 AM  

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