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Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!

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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Tuesday, June 26, 2007

“Uma Campanha Alegre” de Eça de Queirós (Planeta deAgostini)


Uma Campanha Alegre é o resultado final de uma compilação que reúne os textos que deram origem a As Farpas, elaboradas em conjunto com Ramalho Ortigão, que consistiam numa publicação periódica, dedicada exclusivamente à crítica social, política, estética, artística, considerações filosóficas, literárias e assim por diante…

Tratava-se de uma publicação levada a cabo por dois Dom Quixotes que lutavam com os “moinhos de vento” humanos que tomavam atitudes de gigantes, cuja prepotência se fazia sentir sempre que a sua pesada estrutura, inflexibilidade e exercício de poder de pendor absolutista ofendiam a respectiva Dulcineia que, nos textos, assume várias identidades: Democracia, Liberdade de expressão, Igualdade de Oportunidades, Desenvolvimento Económico, Sufrágio Universal, Alfabetização.

São muitos os virotes, os dardos, as farpas, apresentados neste volume, dirigidos quer ao Governo quer à oposição, pelas atitudes contraditórias que denunciam a corrupção, a venalidade, a estultícia de uma classe política inculta e ineficaz.

O século XIX, sendo marcado por sucessivas convulsões sociais e políticas, entre as quais uma guerra civil – entre liberais e absolutistas – e pela alternância sucessiva e constante entre uma facção e outra, que se traduzem num sem número de reformas que nunca chegaram a concretizar-se, torna-se um prato cheio para um advogado que desempenha as funções de jornalista e analista social.

Com Uma Campanha Alegre ficamos a saber que os números correspondestes ao nível de alfabetização e iliteracia eram obscenos em comparação com os restantes países menos desenvolvidos d Europa - exceptuando a Grécia, país com o qual Eça de Queirós encontra muitas semelhanças com Portugal, quer no que respeita à estrutura económica, quer à ineficácia da classe política, passando pelos motivos que levam as classes mais desfavorecidas a emigrar. O que torna estes dois povos mediterrânicos muito próximos, no que diz respeito ao aspecto antropológico e psicossocial.

Percebe-se claramente, em vários artigos, que esta é uma publicação que incomoda as classes dominantes.

As Farpas recebem ataques de várias frentes, incluindo a Igreja – um dos órgãos mais visados pela língua viperina e pena acutilante queirosianas –, assim como o partido no Poder e, também, a oposição.

A salvo, só mesmo as classes populares.

E, mesmo assim, a comissão de trabalhadores num dos ramos industriais mais proeminentes na época, recebe, ainda, uma pequena estocada, quando se trata do exercício indiscriminado do direito à greve. O Autor compara a situação dos trabalhadores do sector industrial com os trabalhadores agrícolas, da agropecuária e da piscicultura, onde as condições de trabalho e salariais são escandalosamente adversas.

A política relativamente à cultura é, também, visada no sentido de a tornar acessível às classes populares e da necessidade urgente de a mesma cultura adquirir uma vertente pedagógica.

Ao reunir os textos de As Farpas, que são exclusivamente da sua autoria, em Uma Campanha Alegre e, portanto separados das “farpas” assinadas por Ramalho Ortigão, Eça de Queirós mostra a verdadeira têmpera do seu carácter, e convicções pessoais que se aglutinam, praticamente, todas neste volume.

Eça é antes de mais, um homem frontal. Com uma coragem e audácia sem precedentes. Um homem que despreza a palavra medo. Dotado de uma energia inesgotável para lutar pelas suas convicções, no sentido de conseguir uma melhoria de qualidade de vida para todos.

Um estilo irónico, roubado aos atenienses e aos romanos da Antiguidade, que recorre à anedota, ao sarcasmo, à alegoria e à parábola para explicar as contradições do non-sense político português.

Lidas com atenção, as suas “farpas” acertam quase sempre, em todas as frentes e com uma eficácia fulminante, o alvo.


Tudo isto, faz de Eça de Queirós uma figura de proa, de vanguarda e destaque no desenvolvimento e evolução da mentalidade do País. Um agente de Mudança.

Porque Portugal é um país em que o desenvolvimento se processa por avanços e recuos – ou, simplesmente por períodos de estagnação -, a todos os níveis.

Vale, por isso, a pena ler Uma Campanha Alegre para que, pelo menos, não repitamos, ou tentemos não repetir, os erros do passado…


Cláudia de Sousa Dias

Tuesday, June 19, 2007

“O Leopardo” de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (Colecção Novis)


O Leopardo é um clássico da literatura italiana da primeira metade do século XX subordinado a um tema que se tornou particularmente caro aos habitantes do continente europeu, em virtude das convulsões sociais e políticas que acompanharam a transição do século XIX para o século XX, sobretudo com a desagregação de impérios como o dos Habsburgos ou dos Bourbons: a circulação das élites. O caso italiano é disso um expoente máximo por ser constituído, na altura, por um aglomerado de pequenos principados ou mini-repúblicas, isto é uma península dividida em cidades-estado, disputando o poder entre si e disputadas por potências imperiais vizinhas.

O trabalho de unificação é levado a cabo por Giuseppe Garibaldi, já na última metade do século XIX, culminando com a ascensão ao trono de Vítor Emanuel de Sabóia. Isto implicou alguns acidentes tectónicos nas estruturas da sociedade italiana, facto que Lampedusa explora (e muito bem) neste belíssimo romance que evoca a nostalgia de um mundo em vias de desaparecer.

Estamos na Sicília, em meados do século XIX, quando o revolucionário Giuseppe Garibaldi desembarca em Marsala chefiando “os descamisados”, ou simplesmente, “os camisas vermelhas”. O objectivo é a reunificação da Península Itálica, a expulsão dos Bourbons - cuja pretensão de hegemonia, partindo de Nápoles de onde reina a dinastia Bourbon, irrita de sobremaneira os italianos – e sua substituição pela dinastia rival de Piemonte, apoiando Vítor Emanuel da casa de Sabóia.

Assumindo como seus os ideais da Revolução Francesa – Liberdade, Igualdade e Fraternidade –, as tropas de Garibaldi, pretendem o estabelecimento de uma nova ordem social ao defender a igualdade de oportunidades como o principal objectivo da revolução. Recebem, por isso, o apoio directo de uma classe em franca ascensão: uma burguesia endinheirada que lucra em progressão geométrica com o endividamento galopante de uma nobreza dissipadora e cada vez mais passiva.

Lampedusa, ao elaborar, durante os seus dois últimos anos de vida, O Leopardo - enquanto repousava no palazzo della marina –, o seu romance sobre a circulação das élites, inspira-se directamente no modelo teórico do sociólogo aristocrata contemporâneo á Revolução, o marquês Vilfredo Paretto, mais propriamente na teoria dos resíduos, ou seja, arquétipos ou modelos sociais de conduta dominante.

Em O Leopardo, estão presentes sobretudo os dois principais tipos sociais do referido modelo de Paretto, que consiste nos Leões ou, neste caso, Leopardos – animal que figura no brasão dos salina – que representam a nobreza ancestral, por tratar-se dos animais que figuram no topo da cadeia alimentar, tal como a nobreza figurava no topo da pirâmide social.

Lampedusa escolhe, talvez, a figura do Leopardo, não só pelo seu individualismo – característica que tem em comum com o príncipe de Salina – como pela sua adaptabilidade, algo que é fundamental para a manutenção do status quo do protagonista e da sua família.

Logo abaixo dos Leopardos estão as Raposas, os Chacais, as Hienas, cuja astúcia desprovida de escrúpulos, aliada a uma fortíssima motivação para vencer fazem da burguesia em ascensão uma classe para a qual os fins justificam os meios na sua rota de ascensão em direcção ao topo da escala social: agiotas, banqueiros, especuladores ou, simplesmente, grandes industriais que enriquecem misteriosamente de um momento para o outro. A ambição deste tipo social esbarra, porém, com o conservadorismo dos Leões e dos Leopardos que demoram, ainda, algumas gerações antes de os considerarem como seus iguais.

Porém, a adaptabilidade do Leopardo Fabrizio Salina impele-o a ser condescendente, flexível, com a nova classe em ascensão, cujo poder económico poderá ajudar a sua família a manter o padrão de vida ao qual está habituada: “é necessário mudar, para que tudo fique na mesma”.

Personagens

Fabrizio Salina, o protagonista, é a fusão entre a cultura alemã, herdada da mãe – o racionalismo, o apego às normas e à ordem, traduzidas no fascínio pelas leis da física, nomeadamente da astronomia – e a indolência e fogosidade italianas como legado paterno.
Sendo um homem dotado de inteligência (muito) acima de média no seu grupo de pares – que se caracteriza, sobretudo pela frivolidade ideológica a par de uma extrema sensibilidade estética – Fabrizio estaca-se do seu grupo. É, antes de tudo, graças ao seu encanto pessoal que, mais do que a sua irrepreensível genealogia, o Leopardo Salina não é segregado pelos seus iguais que o consideram algo excêntrico, inspirando-lhes um misto de admiração e receio.

Fabrizio Salina é, ainda, um homem sensual, propenso a grandes paixões, cujo temperamento esbarra com a castradora religiosidade da sua aristocrática esposa, Stella.

Stella, a princesa di Salina, é aquilo a que se pode chamar de una vera signora, perfeita na estrita observância do profundo respeito pelas convenções, das normas de etiqueta e do saber-estar.
No entanto, o seu fervor religioso, manifesto até durante o acto sexual, assim como a sua frivolidade, acabam por exasperar o marido e esfriar a sua paixão inicial.

Já Tancredi, o príncipe di Falconeri, sobrinho de Fabrizio, é um jovem belo, inteligente, dotado de um humor colorido de um sarcasmo afectuoso, dirigido, maioritariamente ao Zio Fabrizio – “Zione” (Tiozão), como lhe chama o sobrinho – o qual não resiste àquela descarada ironia que tem as suas raízes numa juventude que se crê imortal. A inteligência de Tancredi está ligada ao seu sentido de oportunidade, à astúcia felina (ou de ave predadora) que lhe permite realizar um casamento vantajoso, salvando-o da ruína e, ao mesmo tempo, realizar o desejo de possuir a bela e voluptuosa Angélica, filha de um novo-rico, recentemente promovido a barão e com pretensões aristocráticas.
É, também, o mesmo materialismo de Tancredi que o faz transitar habilmente do partido dos “camisas vermelhas” para o exército real.

Angélica é uma jovem de origem humilde, que tem acesso a uma educação refinada, em virtude do enriquecimento meteórico do pai. Apesar de, no início, o verniz da educação e o refinamento da toilette não conseguirem ocultar totalmente a sua origem camponesa.

Contudo, Angélica acaba por ser uma lufada de ar fresco dentro de uma aristocracia debilitada por sucessivos casamentos consanguíneos, maus hábitos alimentares, ausência de vida ao ar livre e falta de exercício físico.
Apesar de alguns pequenos deslizes no que toca à etiqueta e ao protocolo, Angélica é inteligente, activa, uma jovem que se torna culta e interventiva no que diz respeito a causas sociais e na defesa dos direitos das mulheres. É a única personagem feminina que consegue conservar a beleza e o encanto até à velhice, preservando, até depois da morte de Tancredi, a vivacidade da juventude.

Já as irmãs Salina, filhas de Fabrizio e Stella, estiolam pelo excesso de rigidez a que as obrigam as expectativas daqueles que as rodeiam, mercê do seu estatuto. Tornam-se demasiado tímidas e recatadas para inspirarem verdadeira paixão. A sua frieza e aparente indiferença acabam sempre por “gelar o sangue” aos seus pretendentes.

O Clima e a Cultura

Outro aspecto que é largamente explorado no romance é a correlação entre o clima e a cultura sicilianos que condicionam, em larga medida, o comportamento e até a forma de pensar dos habitantes da ilha.

O clima, marcado por um Verão inclemente que dura metade do ano e por ventos que fustigam impiedosamente o solo árido da regiões montanhosas à volta do Etna, afasta os eflúvios pestilentos, mas faz, também, com que o pó se infiltre por todas as frinchas e recubra de uma pegajosa camada de sujidade, que adere à pele como um manto, todo e qualquer transeunte que se atreva a sair fora de casa. Isto obriga uma população inteira a adaptar as suas saídas de casa às contingências da meteorologia.

Por outro lado, a própria história da ilha, marcada por sucessivas invasões de todos os quadrantes do mediterrâneo, tem como consequência o desenvolvimento de um sentimento colectivo de indiferença por quem se encontra no poder. Sobretudo, quando o órgão central de decisão, se encontra geograficamente distante da ilha.

Estrutura narrativa, estilo e linguagem

A presença de um narrador omnisciente, exterior à época em que se passa a história e, ao mesmo tempo, contemporâneo ao Autor que escreve o romance, que introduz uma nota de realismo no discurso e dá ao leitor a capacidade de apreciação global, do ponto de vista de todas as personagens e do seu papel ou lugar na trama. E que permite, simultaneamente, que o narrador exprima, de forma invulgar, a veia crítica que dá o distanciamento necessário dos acontecimentos, tornando o romance credível, do ponto de vista do leitor.

É através deste distanciamento do narrador que nos apercebemos que Fabrizio foi o último dos Leopardos genuínos, sem contar com o filho rebelde que abandona o lar para trabalhar na indústria, em Inglaterra.

Existe, também uma enorme proximidade entre o narrador e o Príncipe di Salina, que poderiam perfeitamente ser dois amigos íntimos, irmãos ou, simplesmente, a mesma pessoa.

A escrita de Lampedusa é introspectiva, pormenorizada e sempre explicativa, tanto do ponto de vista psicossociológico, como dos comportamentos individuais e colectivos.
A linguagem é sensorial, marcada principalmente por sensações visuais, pictóricas – não só relativas à paisagem natural, mas também aos ambientes fechados. Por exemplo, os salões do Palazzo Donnafugatta, o labiríntico refúgio por onde passeiam Angélica e Tancredi ao tentar escapar aos olhares vigilantes, a misteriosa câmara secreta onde se realizavam, um século antes, os jogos eróticos proibidos, na ala mais recôndita do palácio…

Muito fica por dizer acerca deste O Leopardo de Lampedusa. Desde as críticas ao antigo regime, à estreiteza de horizontes e extensão de preconceitos da Igreja – sobretudo no que dizia respeito à sexualidade – até à luta impiedosa pelo poder, levada a cabo pela nova classe emergente, no novo regime – os Chacais e as Hienas que se dilaceram uns aos outros, após destronarem os Leões e os Leopardos, numa clara alusão às famílias dos uomini d’onore, que compõem a célebre máfia siciliana que então começava a mostrar os dentes e a deixar crescer as garras.

Uma obra imprescindível para a compreensão das mudanças sociais na Itália dos últimos 150 anos assim, como da cultura siciliana contemporânea.

Um livro altamente recomendável, pela riqueza linguística e ideológica que fazem deste romance um dos maiores tesouros literários vindos de uma península europeia onde a Arte é, desde há milénios, encarada como um valor absoluto.


Cláudia de Sousa Dias

Tuesday, June 12, 2007

"O Conselho do Egipto" de Leonardo Sciascia (Dom Quixote)


Leonardo Sciascia é considerado um dos mais prestigiados romancistas italianos contemporâneos fazendo parte da “santíssima trindade” (nota do Editor) da literatura italiana cujos outros dois vértices do mesmo triângulo equilátero se denominam Italo Calvino e Alberto Moravia.

O editor descreve O Conselho do Egipto como umacrónica fascinante de uma espectacular burla cultural”.

“(…) Je veux voir la patrie de Proserpine et savoir un peu pourquoi le diable a pris femme en ce pays-là.”

Courier Lettres de France et d’Italie

Na epígrafe supracitada, onde o Autor se propõe fornecer ao leitor as coordenadas do desenvolvimento do romance, temos a chave para entender o seu objectivo principal: a caracterização de um período da conturbadíssima história da Sicília, mais propriamente do vice-reinado de Caracciolo, em pleno século XVIII. O Inferno é o das intrigas palacianas onde o que não faltam são Agamémnons prontos a matar filhas e mães… em nome do poder e da manutenção dos privilégios seculares de uma classe que começa a sentir as consequências de uma vida de dissipação e arbitrariedades.

Por outro lado, começa-se a assistir ao triunfo progressivo e inexorável da burguesia.

O tema central é uma estruturadíssima fraude cultural que começa com o apurado sentido de oportunidade do Abade Giuseppe Vella que goza, na sua terra, da reputação de erudito e especialista em língua árabe.

Vendo-se a braços com uma situação económica periclitante que o obriga a exercer outras actividades paralelas ao sacerdócio – tradução, decifração de sonhos – o Abade Vella depende, inclusive, da generosidade da sobrinha, já sobrecarregada com um marido agressivo e dissipador.

Afortunadamente, a oportunidade esperada surge, com o pedido real de fazer o papel de cicerone a Abdalah Mohamed bin Olman, embaixador de Marrocos: aproveitando-se do desconhecimento total da língua árabe por parte dos elementos da corte, na mente do ambicioso abade começa a germinar a ideia de apresentar à sociedade italiana a tradução de um misterioso volume em caracteres árabes que o tire definitivamente da situação de miséria ou pobreza relativa. Decido então, submetê-lo à aprovação do embaixador, adulterando descaradamente a tradução da conversa entre os dois envolvendo a apreciação do estranho volume.


Apesar de Bin Olman afirmar ser o códice apenas uma vulgar biografia do Profeta, como tantas outras, sem qualquer tipo de relação com a história da Sicília, Vella afirma que o embaixador confirma tratar-se o volume de uma colecção de cartas e relatórios do governo siciliano na época da ocupação muçulmana, pondo em causa a ordem actual das coisas, nomeadamente, o direito sucessório de muitos do grandes latifundiários sicilianos: a questão de posse relativa a bens imóveis, devido a um obscuro passado genealógico ou a (supostas) transacções comerciais de carácter duvidoso no que toca aos respectivos procedimentos legais.

Partindo desta fraude gigantesca, ao arvorar-se de uma erudição e conhecimento da língua árabe que está longe de possuir, Vella torna-se temido e, consequentemente, paparicado pela nobreza latifundiária que, através de inúmeros e caríssimos presentes (subornos, segundo as más-línguas), tenta conseguir manter os seus bens, convencendo o Abade a “fechar os olhos” a determinadas passagens da sua pseudo tradução.

O desconhecimento da língua árabe, por parte da maior parte dos eruditos europeus, torna, praticamente, impossível o desmantelar da fraude, apesar de a perspicácia de alguns o identificar imediatamente como parasita e falso intelectual.

Um deles é o advogado Di Blasi que sofre na carne as consequências da sua rectidão e imprudência, relativamente à manifestação das suas convicções políticas e ideológicas.

O espectacular sentido de humor, a fina ironia com a qual Sciascia descreve o cinismo venal e a corrupção na alucinante mandala da política siciliana, tornam a leitura de O Conselho do Egipto extremamente apetecível, dada a precisão cinematográfica com que são descritos os mínimos detalhes do cenário e movimentos das personagens permitindo uma visualização da cena com extraordinária acuidade em todos os momentos da narrativa.

A linguagem é objectiva com um apimentado toque de malícia que dá ao sarcasmo intelectual da prosa de Sciascia o tempero adequado de forma a que o leitor assista com amargo prazer ao triunfo do ridículo e ao extermínio da Verdade e da Inteligência, isto é, à neutralização daqueles que detém, ainda, o mínimo rasgo de lucidez, mas cuja voz tem de se calar, devido à cobardia e ao comodismo daqueles que, desde cedo, se habituam a deixar que o Medo domine as suas vidas…

O Conselho do Egipto é um livro que, tal como O Pêndulo de Foucault de Umberto Eco, dispensa a adesão em massa de leitores ávidos de romances de aventuras, onde intrépidos caçadores de relíquias e teóricos da conspiração conseguem o tesouro supremo de verdades absolutas, escondidas em arcas milenárias e são premiados por isso!

A visão pessimista da sociedade aliada a um cepticismo crónico, fortemente enraizado no imaginário intelectual italiano da cepa de Autores como Morávia, Eco ou Lampedusa, tornam Sciascia capaz de detectar alguns padrões negativos de desenvolvimento ao longo da história do povo siciliano. Nomeadamente, das classes dominantes que o governam, sob as quais – apesar das sucessivas invasões provenientes de civilizações diferentes e mudanças de regime político – os grandes ideais acabam sempre por morrer debaixo do cutelo do carrasco.

Um livro que denuncia uma sociedade hipócrita, onde a serpente do materialismo estrangula os mais nobres ideais.

Um estocada fulminante na Mentira que veste a máscara da Verdade.


Cláudia de Sousa Dias