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Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!

Friday, September 21, 2007

“Ficções” de Jorge Luís Borges (Teorema, Biblioteca Visão)


Nascido em 1899 em Buenos Aires, Jorge Luís Borges vem a falecer em Genebra em 1986, tendo vivido em Madrid entre 1919 e 1921. Regressa, a Buenos Aires no período entre as duas grandes guerras e funda as revistas Prisma e Proa, onde publica a maior parte da sua obra poética.

Cego desde 1955, continuará a escrever (como Homero). Destacam-se publicações como
O Fazedor (1960), El Otro, el Mismo (1964), Elogio da Sombra (1969), O Ouro dos Tigres (1972) e Os Conjurados (1985). Publicou, ainda na área do ensaio, Inquisiciones (1925), Nuevas Inquisiciones (1952) e Nueve Ensayos Dantescos (1982). No que toca à narrativa, publica a História Universal da Infâmia (1935), O Aleph (1949), O Relatório Brodi (1970), O livro da Alma (1975) e Rosa Y Azul (1977).

Ficções é uma obra que se “apoia na exactidão dos dados para conferir verosimilhança ao fantástico” (nota do editor).

Ficções
é uma compilação de contos e narrativas que se divide em duas partes.

A primeira, intitulada O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam, faz lembrar um desenho de Escher, devido à muitiplicidade de planos ou dimensões em que se desenvolve a narrativa – uma autêntico labirinto mental que se bifurca, divide, multiplica em várias direcções. Os planos cruzam-se e divergem pelo esbater da fronteira entre o imaginário e o real como em Tlön, Uqbar e Orbis Tertius – autêntico quebra-cabeças para aquilo que pretende ser uma conto policial, envolvendo uma biblioteca de livros imaginários, num lugar e num tempo que temos alguma dificuldade em identificar, pelas múltiplas intertextualidades apresentadas relativamente a vários textos históricos clássicos. Aqui, o tema central é algo de semelhante a uma cruzada em busca de um texto perdido. Trata-se de uma espécie de peregrinação, cuja rota se espraia pela América do Sul, com uma saltinho ao território gaúcho, onde se fala a língua portuguesa, mas com um toquezinho de castelhano, à procura de um idioma desconhecido (porque imaginário) através do labirinto da semiologia.

Já a sátira Pierre Ménard, autor do Quixote é uma paródia, uma caricatura de uma escritor que decide escrever a obra de Cervantes em pleno século XIX – sem ter em conta as alterações sociais, económicas, políticas e tecnológicas da sociedade onde insere o novo Cavaleiro da Triste Figura. Trata-se simplesmente de exaltar o ridículo da atitude de escritores medíocres que se dedicam ao plágio, tecendo-lhes um retrato patético como o é a personagem.

O teor onírico de As Ruínas Circulares denuncia uma notória influência da Escola Psicanalítica que, tal como acontece na obra de Lewis Carrol, daria mais tarde impulso ao movimento surrealista na literatura. Ao analisar o texto, encontramos frequentemente as palavras lucidez, vigília, insónia, delírios, numa viagem interna pelo labirinto dos medos. O objectivo da personagem central é controlar o conteúdo dos sonhos, logo, dos medos, que se soltam durante o sono, como fantasmas. O atingir do equilíbrio, do nirvana, a demonstrar uma marcada influência do hinduísmo-budismo, equilíbrio esse que parece ser objectivo último deste personagem, através do desligar do mundo das sensações para contrariar a tendência crescente da desintegração do EU.

A Lotaria na Babilónia mostra uma sociedade onde o principal traço cultural é a desresponsabilização das atitudes dos indivíduos no quotidiano, através da exaltação da importância do acaso na construção do destino dos homens.

A total ausência de especulação, de pensamento dialéctico e de racionalização, apresenta-nos a sociedade babilónica como um infinito jogo de acasos e constante fuga à tomada de decisão que se traduz num alheamento e passividade de todo um povo.

Segue-se uma análise minuciosa da obra de Herbert Quain onde se nota a influência mais uma vez de Freud e também de Julien Green, particularmente na estrutura narrativa, ternária e regressiva, tal como a estruturação dos diferentes níveis ou estados de consciência para Sigmund Freud.

A Biblioteca de Babel é mais uma pequena estória onde se constrói um universo de saber compostos por salas hexagonais (simbologia do número seis, ligada a Lúcifer, o rival de Deus, pela ambição do desejo de omnisciência). O Hexágono é como que um círculo imperfeito – o círculo, neste caso, simboliza o conhecimento absoluto, aquele que não tem princípio, meio ou fim. O hexágono está contido num círculo – conhecimento superior – e a dispersão do Conhecimento, formando círculos concêntricos que se sobrepõem, é o livro cíclico que compõe a totalidade do conhecimento: Deus.

A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono cuja circunferência é inacessível.

A estória é um aliciante jogo de números e formas geométricas que se conjugam num sistema que tem tanto de influência cabalística como hermética ou pitagórica, onde se exploram os mistérios do Conhecimento e da (in)finitude do Tempo.


E chegamos, finalmente a O Jardim dos caminhos que se bifurcam, a estória que dá o título a esta primeira parte de Ficções. Trata-se de uma estória que fala de guerra, espionagem e traição, onde o narrador expõe o lado negro da sua alma dando largas ao desprezo pelo lado vil de si próprio: a sua faceta de cobarde. E a ambição. Neste texto, Borges condena a frivolidade de quem quer, a todo o custo, agradar ao poder para progredir. Ao Poder destituído de escrúpulos. Para isso, expõe a vergonha de um homem que tomou a decisão de prostituir a alma. Em contraponto, o narrador apresenta um “jardim”, simbólico, como a obra de um homem que, muitos séculos antes do seu nascimento do protagonista, desiste do Poder para se isolar no Pavilhão da Sabedoria e construir uma obra maior para legar para a posteridade – a construção de um jardim-labirinto mental. É através deste modelo de conduta individual que o narrador, participante e protagonista, toma consciência da sua falibilidade como ser humano. O “jardim” de que fala o ex-imperador é uma imagem incompleta mas não falsa do universo, que não acreditava num tempo absoluto e uniforme, mas antes em séries de tempos divergentes, convergentes e paralelos. No fundo é o tema da A Biblioteca de Babel, analisado de outro prisma.

A segunda parte da obra intitula-se Artifícios e é constituída por uma série de contos cuja complexidade, riqueza de vocabulário e profusão de associações de ideias exigem uma total capacidade de concentração, abstracção e visualização por parte do leitor, podendo considerar-se como um excelente exercício de imaginação e desenvolvimento da capacidade criativa. A influência de Autores como Shoppenhauer, Quincey, Stevenson, Mauthner, Shaw, Chesterton e e Leon Bloy vêm enriquecer ainda mais o imaginário, já de si fértil, de Borges.

Em relação ao conto Funes ou a Memória o próprio Autor classifica-o como uma “metáfora da insónia”. A anáfora Lembro-me remete para o título, ao evocar a recordação de um ser de memória prodigiosa para os detalhes e as pequenas coisas, as quais regista com a precisão de um artista plástico, e pela particularidade de saber sempre as horas com precisão cronométrica. É a estória de Funes, aquele que não dorme para adquirir mais e mais conhecimento. Para ampliar a Memória.


A Forma da Espada é a história de uma cicatriz. Mais um conto onde se exploram valores como a honra e a solidariedade pela exposição do seu oposto: a cobardia e a traição em mais uma estória de espionagem em tempo de guerra.

A um gentleman só podem interessar as causas perdidas.

Uma frase que ilustra bem o pensamento e o carácter de Borges, um cavaleiro andante, no século XIX, altura em que a revolução industrial se desenvolve ao ritmo da velocidade da máquina a vapor na Europa e começa a arrancar e a dar os seus primeiros frutos no Novo Continente.

Borges não é simpatizante daqueles que querem vencer a todo o custo. Colocar-se ao lado dos vitoriosos não tem, para si, qualquer interesse subscrevendo uma frase de Schoppenhauer: um homem é todos os homens. Onde em cada indivíduo está contido – em potência – tudo o que é bom ou mau na humanidade.

Segue-se uma estória onde transparece, nas entrelinhas, o desprezo pela arrogância de um intelectual, um teórico da guerra desconhecedor da acção no terreno – aquilo a que César chamaria de general de divã –, que reduz dogmaticamente a História a um conflito económico. Trata-se, no fundo, de um debate sobre dois arquétipos que parecem apaixonar obsessivamente o Autor, uma vez que se trata de um tema recorrente nesta obra, onde heróis e vilões são analisados e confrontados depois de extraídos das páginas da História e da Literatura Clássica.

A Morte e a Bússola é um conto que merece um comentário do autor, no prólogo desta segunda parte, devido à identificação dos lugares mencionados e pelo facto de haver alguma intertextualidade com textos anteriores.
Trata-se de um conto policial místico,a envolver seitas de Templários e ligações à Maçonaria e outras sociedades secretas que poderá ter muito bem servido de inspiração para autores como Umberto Eco ao escrever O Nome da Rosa ou O Pêndulo de Foucault.

O Milagre Secreto evoca tempos conturbados. O cenário é Praga em 1939, em plena ocupação nazi. O tema é a morte de um professor que esconde um segredo a ser revelado num livro antigo, durante um pogrom.
Mais uma vez os livros estão no centro de uma trama ou intriga policial.

O milagre secreto ocorre na mente do condenado à morte por fuzilamento que pede mais um ano de vida para concluir a sua obra. O milagre individual dá-se durante a fracção de segundos que demora uma gota de água a cair (um momento de privação de sentidos) imediatamente antes de ser trespassado pelas balas do pelotão de fuzilamento.

Um conto que pode ter servido de inspiração ao grego Nikos Kazantzakis ao escrever A Última Tentação de Cristo, escrito uma década mais tarde.

Três versões de Judas é aquilo que o Autor apelida de fantasia cristológica na qual o Autor admite ter sofrido uma remota influência de Bloy, Quincey e Pitágoras, no qual o retrato do maior traidor da História é tecido de forma a inspirar autores cujas publicações tiveram considerável impacto na opinião pública nas décadas que se seguiram como Gore Vidal ou o já referido Kazantzakis, através de um conto onde se explora a dimensão humana de duas figuras arquetípicas que são a pedra-base da cultura ocidental cristã, construída ao longo dos dois últimos milénios.

O Fim é uma belíssima estória passional a fazer lembrar um western protagonizado por Gregory Peck ou Joseph Cotten.

A Seita de Fénix é uma alegoria sobre a origem de um culto antigo que se pretende ascender até ao reinado do faraó Amenófis IV. Especula-se sobre um segredo por detrás desse mesmo culto realizado por uma sociedade também secreta. U. Eco afirmará mais tarde, numa das suas obras, que…O segredo é que…não existe segredo algum.

Por fim, O Sul é, para o Autor, a narração dos feitos romanescos de um imigrante do norte da Europa em Buenos Aires. Sonhos perturbadores, cujo impacto é ampliado pela febre, tornam este conto, de elevado teor surrealista, recheado de detalhes fantásticos e imagens insólitas, recolhidas através da janela do comboio onde viaja (será no mesmo Paragónia Express onde viajou Sepúlveda?) em direcção à terra de homens rudes e brutais onde encontrará o seu destino. E onde enfrentará a fatalidade, a sua amante derradeira. Violenta como a doença que o consome…

Uma obra de leitura obrigatória que deixou a sua marca no imaginário de alguns dos autores mais emblemáticos do século vinte.

Concebida por um dos grandes mestres da literatura universal.


Cláudia de Sousa Dias

Thursday, September 06, 2007

“As Rosas de Atacama” de Luís Sepúlveda (ASA)


O título original desta publicação chama-se, na realidade, Historias Marginales – Histórias Marginais – e corresponde, precisamente, ao primeiro título desta colectânea de relatos de extraordinária beleza, a formar um ramalhete de pequenas estórias de heróis desconhecidos que a História relegou para a obscuridade.

Porque a História oficial se ocupa, quase que exclusivamente, do ponto de vista do vencedores.

A inspiração para dar início à escrito a incidir na temática de As Rosas de Atacama – o título escolhido pela editora – surge aquando de uma visita ao campo de concentração de Bergen Belsen onde o autor se depara com a seguinte inscrição:

Eu estive aqui e ninguém contará a minha história.

Uma frase onde está implícita a nota de desespero e cujo impacto só tem comparação com a pungente obra de Münch intitulada O Grito.

O contraponto da situação é dado, mais uma vez, por uma citação – Goebbels, com uma frase que tristemente célebre, que contém em si uma verdade medonha:

Um morto é um escândalo, mil mortos são uma estatística.

Uma frase chave que despoleta a motivação de Sepúlveda para contratacar com as palavras do poeta Guimarães Rosa:

Narrar é resistir.

Desta forma Luís Sepúlveda decide reunir todas estas pequenas histórias marginais com o objectivo de despertar a indignação e a memória. A finalidade é criar a vontade no Homem de mudar o mundo no sentido da evolução do progresso do Humanismo. E do respeito pelo ecossistema que permite a vida no planeta.

Uma obra que é, por isso mesmo e mais do que nunca, actual.

E a forma mais adequada de perseguir o seu objectivo é a de trazer à luz do dia aqueles que permanecem na sombra da História dos que não aparecem nos noticiários, que não têm biógrafos mas apenas uma esquecida passagem pelas ruas da vida.

As Rosas de Atacama é também um livro de relatos que conta as viagens de um andarilho aos locais mais recônditos de todo o mundo sob as condições de vida mais adversas, desde a bela e impiedosa selva do equador e o infernal deserto de Atacama, até à gelada Patagónia perto de Cape Horn ou à Lapónia no Árctico.

Cada relato tem a capacidade de nos deslumbrar ou comover pela forma como LS expõe as contradições inerentes ao desenvolvimento económico que entra muitas vezes em contradição com a sobrevivência humana e das outras espécies no planeta, afastando-se do seu objectivo inicial: a melhoria de qualidade de vida e o bem comum.

Deste autor chileno evidencia-se o talento inquestionável para extrair beleza dos sítios por onde passa quer e das pessoas com as quais trava conhecimento. Algo que se torna fácil para quem tem o dom inato – ou um leque de vivências fora do comum acumuladas durante muitas décadas – de enxergar para além da superfície, transformando muitas vezes a dor em palavras com sabor a poesia…

Ao mesmo tempo o Autor proporciona-nos a lucidez necessária à observação de algumas questões que estão na ordem do dia ao expor o absurdo de contradições quase sempre subjacentes aos jogos de poder dos senhores do mundo, ao referir-se, por exemplo, a uma ilha perdida na ex-Jugoslávia, onde antes coexistiam pacificamente várias etnias e religiões diferentes:

Dói-me a ilha perdida e repete-me que os homens que não conhecem a fundo a sua História caem facilmente nas mãos de vigaristas, de falsos profetas e voltam a cometer os mesmos erros.

Os valores da solidariedade humana, da ecologia, da lealdade e da partilha do pão e do vinho das palavras são para Sepúlveda como uma espécie de eucaristia.

O Autor gosta, aliás, de escrever sobre uma mesa de amassar pão, como já foi referido a propósito de Patagónia Express.

Um acto que tem, em si, uma carga simbólica na medida em que são as palavras que lhe garantem a sobrevivência, isto é, que lhe colocam o pão sobre a mesa.

Uma obra composta por mini-contos de duração efémera (em média duas páginas) beleza fulgurante como as rosas do deserto de Atacama onde a escrita é o pão amassado com amor, alegria e…

…lágrimas.

Cláudia de Sousa Dias