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Wednesday, March 23, 2011

"A paixão de Camille Claudel" ou "Camille Claudel, une femme" (versão original) de Anne Delbée (Inquérito)





Tradução: Maria Gabriela de Bragança

A obra de que aqui tratamos pode ser encontrada, hoje em dia, em alfarrabistas, por se encontrar esgotada e não ter sido alvo de reedição nos últimos anos. Trata-se, no entanto, de uma aliciante biografia romanceada, que parte de um conjunto de documentos dispersos tendo sido concluída em 1982, após longos anos de investigação e compilação de todos os apontamentos resultantes de entrevistas a familiares amigos e conhecidos que conviveram de perto com a brilhante escultora do início do século XX.

O blogue rendez-vous faz referência ao filme de Bruno Nuytten baseado na biografia de Reine-Marie sobrinha neta da escultora, com a qual contactou a Autora deste livro, aqui:

http://rendez-vous-arabie.blogspot.com/2010/09/cineliterario-paixao-de-camille-claudel.html

O filme foi responsável pela reabilitação do interesse público pelas obras de Claudel e pelo levantar do véu em relação ao pudor da família que, durante as primeiras décadas do século XX até aos anos 1970, se abstinha de falar na tia que era vista como uma espécie de "ovelha negra da família".

Camille Claudel sendo Uma Mulher foi pioneira, ao destacar-se no mundo das artes plásticas, nomeadamente num universo tão masculinizado como era, então, a Escultura. Com base nas entrevistas feitas a descendentes e amigos da escultora, a Autora deste livro juntou ainda um vasto conjunto de bilhetes, apontamentos pessoais, fragmentos do diário de Camille Claudel, bem como um considerável volume de cartas trocadas entre ela e o irmão, o escritor Paul Claudel, e, claro, Auguste Rodin, seu mestre, amante e, posteriormente, rival.

A investigação documental operada pela Autora deste livro foi, ainda, completada com visitas ao Museu Rodin e ao Atellier Claudel, assim como ao hospital psiquiátrico onde Camille veio a falecer, após cerca de trinta anos de clausura.

A narrativa desenvolve-se em dois planos que se vão alternando – de um lado, a correspondência de Camille durante o internamento, dirigida na quase totalidade ao irmão, Paul, a partir de cuja leitura, na primeira pessoa, facilmente nos apercebemos de um progressivo estado de degradação quer física quer mental, numa mulher outrora brilhante e pujante de vitalidade. Esta Camille de Anne Delbée recorda, amiúde, a vida anterior à clausura no hospital psiquiátrico, refugiando-se no passado como forma de evasão à realidade depressiva do presente.

O segundo plano da narrativa é-nos dado por uma voz exterior, que oferece ao leitor a possibilidade de mergulhar na infância dos irmãos Claudel, período marcado por uma felicidade plena e cúmplice ao lado do irmão, onde se destaca um amor que quase ultrapassa os limites socialmente convencionados para uma relação entre sibblings.

É, também, durante a infância que Camille descobre a vocação de escultora, através do pronunciado gosto pela moldagem de formas e figuras em barro, durante os passeios que faz à colina em companhia do irmão.

Ao reconhecimento do talento e a admiração afectuosa do pai pela filha rebelde a investigadora Anne Delbée contrapôs a indiferença de madame Claudel pelas inclinações artísticas da filha, redobrando sim, os cuidados e as preocupações com o asseio e a toilette de Camille, que se apresentava frequentemente suja de barro. Paraalém de que uma escultora mulher não ter na opinião da progenitora, lugar na sociedade, sendo vita pela opinião pública geral como uma aberração.

Ao mesmo tempo, tudo leva a crer ter existido uma relação de competição entre mãe e filha pelas atenções do pai de Camille. Madame Claudel surge, simultaneamente como uma pseudo-mãe, ciumentísssima do afecto que o marido dirige à filha e, por outro lado, desejosa de transformá-la numa típica dona de casa, como a filha mais nova, casando-a com aquilo que considerava “ um bom partido” para, assim, assegurar a estabilidade financeira da família.

Já Monsieur Claudel incentivava, pelo contrário, de acordo com os testemunhos da época, a própria filha a lutar pelos sonhos e a perseguir o desejo de se tornar uma grande escultora, chegando, a dada altura a por em causa as intenções de Rodin, ao colocá-la ao seu serviço.

O primeiro profissional da arte a reconhecer-lhe o talento é Alfred Boucher, reputado artista plástico do romantismo barroco do século XIX, o qual lhe aconselha a frequentar as aulas de Rodin no seu atelier e, lá, a desenvolver o seu potencial como escultora, junto do Mestre a quem apontavam, na altura, como o sucessor de Michelangelo.

.A relação desta Camille de Anne Delbée que tem por título original Une femme, parece obedecer à tipologia arquetípica de Bruno Bettelheim no seu livro A psicanálise dos contos de fadas, obra inspirada no modelo arquetípico de construção da personalidade de Carl Jung. Assim, a mãe de Camille seria, tal como aparece retratada na obra da aAutora deste livro, uma emanação da figura da madrasta, típica dos contos de fadas tradicionais, devido à oposição feroz que demonstra em relação às atitudes e escolhas da filha Camille. Madame Claudel despeja o seu ressentimento em Camille ao culpá-la pela morte do primeiro filho, que morre pouco depois do nascimento – na época a taxa de mortalidade neo-natal atingia índices muito elevados –, de que o nascimento posterior de Camille perece ter despoletado um certo azedume na mãe, a qual aliava o ressentimento pelo facto de esta criança mais nova ocupar o lugar que ppertencia à primeira, olhando-a como uma espécie de “usurpadora”.

Relativamente às escolhas e à independência de espírito desde cedo demonstradas por Camille, Madame Claudel parecia não se conformar com o facto de a filha mais velha se comportar como uma selvagem maria-rapaz, sempre despenteada ou suja de terra, sem conseguir enquadrá-la nos cânones daquilo a que na altura era considerado como bom comportamento numa jovem solteira.

Durante a adolescência de Camille, o conflito agudiza-se sobretudo a partir do momento em que a adolescente decide fazer da escultura uma opção de vida ao invés de enveredar por um matrimónio bem-sucedido. Segundo o ponto de vista da Autora, Camille pôde contar com o apoio do pai, que se orgulhava do talento da filha, mas a mãe encarava esta opção como uma afronta ou uma provocação.

Madame Claudel, segundo os documentos reunidos pela autora, conseguiu os seus objectivos com a filha mais nova, Louise, mas os planos saem-lhe frustrados devido à uma inesperada viuvez da jovem o que vem colocar a família numa situação precária.

No início do século XX não era comum as mulheres da burguesia trabalharem, mesmo as mulheres da pequena burguesia rural de onde era oriunda a família de Camille: estas ou se dedicavam exclusivamente ao papel de esposa e mãe ou eram cortesãs, as chamadas “mulheres mantidas”. O tornar-se uma artista, a viver à custa do próprio trabalho, era algo de completamente revolucionário e subversivo, pelo que Anne Delbée se empenha em mostrar o lado pioneiro e inspirador desta artista de capacidade invulgar em retratar as emoções através dos movimentos corporais. Para mais, tratava-se de uma mulher extremamente bela o que na altura era considerado perigoso, por resultar numa estranha combinação de poder e ascendente social – Camille distinguia-se, de forma quase ofensiva, em relação às mulheres do seu tempo.

Os entraves ao desenvolvimento de um potencial invulgar

Anne Delbée explora várias dimensões que puseram em causa a projecção do trabalho de Camille e que a precipitaram para uma vidad e clausura e um progressivo desequilíbrio psíquico.

O principal entrave, que a Autora coloca em evidência, ao desenvolvimento da actividade artística de Camille Claudel é de ordem financeira: a escultura foi, desde sempre, uma actividade dispendiosa: não só pelo elevado custo dos materiais , mas pela necessidade de alugar um espaço para instalar o atelier, contratar operários e modelos e, ainda, proceder à divulgação da actividade. Algo que obrigava, por sua vez, a frequentar eventos sociais relevantes e a investir na imagem.

Por outro lado, beleza de Camille revelou-se, simultaneamente, uma vantagem – chamava a atenção, o que era um excelente cartão-de-visita – mas, também, um obstáculo pois acabava por lhe retirar parte da credibilidade, dando azo à maledicência e a algumas críticas pouco construtivas e preconceituosas.

A questão de género, a questão económica e a questão da independência, face à obra de Rodin são as principais linhas de desenvolvimento desta biografia romanceada por Anne Delbée formando os três principais entraves à carreira da escultora a qual foi alvo constante de boicote por parte de alguns críticos influentes, que publicavam em revistas em jornais e especializados na época e que afirmavam ser Rodin quem lhe fazia as esculturas – quando tudo levava a suspeitar que fosse o contrário, isto é, que era, na realidade a aprendiz que fazia o trabalho básico sendo muitas vezes o mestre quem dava os retoques finais e os acabamentos.

Anne Delbée empenha-se em deixar clara a forma como o trabalho de Claudel se demarca da obra de Rodin, pela expressividade exibida nas suas figuras, tornando-as por vezes hiper-dramáticas ao exprimir, por exemplo, a humilhação do abandono ou, ainda, a tragédia da destruição do corpo pela aproximação da morte.

A autora consegue sensibilizar os leitores para o trabalho da escultora, ao mostrar que a estética de Camille Claudel é uma forma de arte de grande força anímica, emanada do período final da época barroca e do romantismo, na sua fase tardia. Claudel é contemporânea de Débussy e outros artistas e intelectuais de vanguarda da viragem do século XIX para o século XX.

Ao primeiro impacto do leitor com a escrita de Anne Delbée, este é confrontado com uma sensação de desequilíbrio, uma espécie de vertigem causada pela oscilação entre um estilo delirante, polvilhado de alucinações, algo onírico, a representar o caótico e tortuoso emaranhado de pensamentos de Camille Claudel, já durante a clausura no hospital psiquiátrico, e a calma paradisíaca, proporcionada pela regressão no tempo que possibilita ao leitor mergulhar na juventude gloriosa dos irmãos Claudel, assim como ter consciência da dolorosa realidade durante os breves fragmentos de lucidez de Camille durante o internamento.

A escrita de Anne Delbée é profusamente trabalhada, à semelhança da expressão artística do final do romantismo barroco, cheia animismos, provenientes de um meio natural envolvente onde a natureza parece manifestar sentimentos próprios dos humanos, onde até as pedras transpiram, sussurram e choram.

A Relação com Rodin

Sobre este aspecto da obra, a Autora começa por mostrar as dificuldades iniciais com que Camille se defronta antes de se tornar aluna de Rodin. Após a apresentação feita por Alfred Boucher, Rodin começa por desdenhar o trabalho da jovem. No entanto, mostra-se interessado em conservar as esculturas de Camille no seu próprio atellier, despertando uma certa desconfiança no pai da jovem. Delbée acaba por enveredar por esta linha no desenvolvimento final da trama, ao mostrar que a degradação da relação de Claudel e Rodin, tanto no plano profissional como pessoal, é agravada, em grande parte, por esta desconfiança.

Délbée mostra-nos uma perspectiva da evolução dos movimentos estéticos nas Artes plásticas, ao explicar, de forma breve e muito sucinta, a mais valia do trabalho de Camille e Rodin, face aos grandes artistas plásticos que os precederam, mas sem deixar de mostrar o lado lunar da artista: um temperamento algo selvagem e absolutamente indiferente a todo o género de convenções. Apesar do evidente talento e da importância do seu contributo para a história das Artes Plásticas , Camille Claudel nunca chega a gozar do reconhecimento geral pelos seus contemporâneos.

Camille: uma mulher autónoma, indomável e…vulnerável

A par da fragilidade familiar, económica e dos preconceitos da sociedade relação ao género feminino no mundo das artes, a forma como se desenvolve o teor obsessivo do relacionamento amoroso entre Camille e Rodin, não ajuda em nada à estabilidade emocional da escultora. Uma relação que marca o ponto de ruptura com a família Claudel, a qual não aceita a forma ilícita do relacionamento ambos, culminando num episódio doméstico de faca e alguidar, a fazer lembrar um melodrama de uma ópera verdiana.

A partir dos vinte e seis anos, Camille começa a sentir que o tempo escasseia e parece passar em vão ao ver o seu reconhecimento permanentemente adiado.

Camille Claudel foi uma artista revolucionária, anacrónica e anárquica não só porque a sua conduta inspirou a revolução do papel da mulher na sociedade, mas porque conseguiu operar uma revolução temática na própria Arte, ao assumir o erotismo que emana do mais profundo inconsciente feminino transposto para a Escultura, recusando a representação apenas e só da mulher politicamente correcta ou dos aspectos politicamente correctos da própria vida. Camille Claudel, uma mulher. Inesquecível e imortalizada pelo génio.

Cláudia de Sousa Dias

Friday, March 18, 2011

Prémio "Dardos"


Generosamente atribuído pelo blog Folhas de Papel



Os blogues premiados por sua vez pelo hasempreumlivro são:





Os vencedores devem:

1. Exibir a imagem do selo no seu blog;
2. Linkar o blog que o indicou;
3. Escolher outros blogs para receber o selo;
4. Avisar aos escolhidos.


;-)

Tuesday, March 08, 2011

Seda” de Alessandro Baricco (Dom Quixote)



Um romance que é um retrato sublime da pacata vida quotidiana, numa pequena população rural, em pleno século XIX, que vive de indústria da seda, Na trama que envolve a indústria e a actividade da sericultura, entrelaça-se uma história de amor romântico e também idealizado e erótico, que se vai tecendo, lenta e delicadamente, como o fio da seda de que são feitos os frágeis e preciosos casulos que são importados do Japão. Porque de lá chega à Europa, após uma longa travessia, a melhor seda e, também, a mais sublime forma de idealização em matéria de amor. Este é um sentimento que o escritor italiano Alessandro Baricco explora, quer do ponto de vista masculino quer feminino, numa prosa depurada, onde o minimalismo da forma contrasta, de forma dramática, com a fortíssima carga emocional, contida nas escassas cem páginas do romance.


A localização espacial da acção abrange dois continentes, situando-se especificamente entre a França e o Japão. O facto deve-se ao deflagra, à época, de uma praga que afecta os casulos de seda nas plantações europeias e do Norte de África, obrigando a importar os bichos-da-seda directamente do Japão e a empreender, anualmente, uma perigosa viagem por regiões inóspitas, usando a então moderna tecnologia da máquina a vapor, de comboio ou barco, apesar de não impedir algum troço da jornada seja feito a cavalo por terras inóspitas, como nos tempos de Marco Polo.


A viagem transiberiana de comboio obrigava, então, à travessia dos Urais é relatada de forma elementar, em pouquíssimas linhas, como se cortasse a barreira do som, mas sem deixar de dar ideia do esforço e do tempo gasto em tão esgotante empresa, pela travessia de vário fusos horários. É através da modificação da paisagem que nos é dada a ideia de movimento, como se estivéssemos à janela do comboio.


O romance é uma bela crónica de viagens e ao mesmo tempo um relato de costumes que se traduzem num ligeiro choque cultural, mediante o contacto entre duas civilizações, impulsionado por razões de interesse económico. Mas mais do que isso, Seda é um verdadeiro tratado sobre as relações íntimas conjugais.


O dinamismo da história é-nos dado pela alternância de cenário – a França rural e o Japão feudal no dealbar da industrialização – o que permite comparar a forma como é encarado o casamento e o concubinato em ambas as culturas: na Europa este é visto como uma transgressão; no Japão como sinal de prestígio social. Podemos, também, tomar consciência da estratificação social e da importância dos rituais religiosos e do cerimonial associado à rotina doméstica daquele longínquo país.


Trata-se de um relato intimista, sobre o amor terreno, presente no quotidiano,sobre o amor possível e, por outro lado, face ao amor que se deseja, inalcançável como as estrelas. O narrador, Hervé Joncour, o importador de casulos e bichos-da-seda, relata, por entre a melancolia da memória e a nostalgia do tempo perdido, o percurso do Desejo em busca de uma ilusão, ao descrever o deslumbramento por uma estrela que não existe.


Joncour conta com o apoio de um mentor também ele um industrial da seda, embora reformado, que se encarrega de trazer uma nota de realismo pragmático à acção, mediante o seu humor seco, com uma pitada de cepticismo voltairiano, ajudando à fluidez da narrativa.


Já o enquadramento da acção no devido contexto histórico, no tocante às relações comerciais entre os dois países, confere verosimilhança ao texto, permitindo tomar consciência da distância e da fadiga de tal travessia no século XIX, com as respectivas limitações tecnológicas.


Corria o ano de 1861. Flaubert escrevia “Salambô”, a iluminação eléctrica não passava de uma hipótese e Abraham Lincoln, do outro lado do Oceano, combatia numa guerra da qual nunca chegaria a ver o fim.

Hervé Joncour tinha 32 anos. Comprava e vendia. Bichos-da-seda.


O livro é a odisseia de um jovem audaz e ambicioso mas discreto, pelo mundo do ofício delicado da sericultura, dependente de um trabalho sazonal, sujeito a fortes condicionalismos geográficos, biológicos e meteorológicos, obrigando à procura dos melhores espécimes e a uma viagem de quase quatro meses, com regresso pontual “a tempo da missa grande”, no primeiro Domingo de Abril. O timing era, então, fundamental pois, duas semanas mais tarde, os ovos abririam, e os bichos morreriam, inutilizados.


O discurso narrativo, vertido ao longo da viagem, torna-se empolgante por se assemelhar a um diário de bordo num barco terrestre.


O Viajante


Apesar de a descrição física do protagonista não constar explicitamente do texto, é possível perceber, nas entrelinhas, tratar-se de um homem belo, ou pelo menos bastante atraente, pela forma como, sem fazer qualquer tipo de esforço ou traçar qualquer estratégia de sedução, e pautar-se por um comportamento e atitudes comedidas, as personagens femininas, mesmo assim, o cumulam de atenções. Trata-se de um homem reservado, de postura sóbria, calmo, mas possuidor de um apurado sentido estético, embora sem ostentação.


Era, aliás, um daqueles homens que amam assistir a sua vida, julgando imprópria qualquer ambição no sentido de a viver.

Ter-se-á notado que estes olham para o seu destino tal como a maioria costuma olhar para um dia de chuva.


Mr. Balabadiou, o já referido mentor e inspirador de Hervé joncour, no negócio da seda e na vida e geral, é um homem de pensamento pouco convencional, produto do século das Luzes, um homem de visão. É, também, um sonhador, faceta que deixa revelar aquando do primeiro regresso de Joncour do Oriente na primeira das suas viagens anuais ao perguntar-lhe pelos golfinhos. Trata-se, no entanto, de uma pergunta dúbia, pois poderia também referir-se simultaneamente aos príncipes do oriente. Uma pergunta ambígua que junta o sonhador ao homem de negócios.


A Viagem


A descrição da travessia da Europa até aos Urais e , depois, através de todo o continente asiático até ao mar do Japão é feita em poucas linhas como se esta se realizasse em poucos segundos mas dando, ao mesmo tempo, a ideia da distância, pelo tempo cronológico mencionado na descrição da viagem. A imensidão do Lago Baikal, por exemplo, é dada pelos regionalismos das tribos locais que o apelidam de “o mar”, “o demónio” e “o último".


As mulheres de “Seda”


A concubina do senhor feudal Hasa Kei é uma jovem de “olhos ocidentais”. A beleza, capacidade de entrega e extrema solidão que estes conseguem exprimir despertam uma súbita idolatria em Joncour, que é confundida com paixão. A jovem ocidental, crescida no Oriente é, para ele, a jóia interdita. A mesma jovem, da qual não sabemos o nome, cativa-o pelo silêncio e pelos gestos que lhe parecem inequívocos como o de voltar a tigela por onde bebeu Joncour, de forma a tocar com os próprios lábios o lugar exacto onde tocaram os lábios do viajante, ou o provocante banho de olhos vendados, ou, ainda, o abrir de olhos no instante que a conhece, no exacto momento em que a curiosidade atinge o limite.


A simbologia dos pássaros, aprisionados no viveiro de Hasa Kei, representa a prisão dourada em que vivem as concubinas no Japão, uma prisão onde "voam abrigadas do céu”.


A guerra, a geografia, o sistema económico e político e, por último, a própria cultura, são os elementos que farão com que a “seda” deste romance em potencial nunca chegue a produzir-se.


Hélène Joncour, a esposa de Hervé, é o amor terreno, sempre presente e discreto, mas por estar tão próximo, o jovem não chega a aperceber-se de todo o seu esplendor.


O drama de Joncour tem a ver com o tempo perdido e a forma como deixa o fluir do momento de felicidade escapar-se-lhe por entre os dedos, numa mais do que evidente piscadela de olho do Autor a Marcel Proust..


Face à jovem do Oriente, resta-lhe a sensação de ter perseguido uma quimera:

É uma dor estranha. Morrer de saudade por alguém que nunca se chegará a amar.


Madame Blanche é o inverso, o outro lado do espelho da jovem concubina de Hasa Kei. É a cortesã oriental a viver no coração do Ocidente no século XIX: Paris. Trata-se de uma estranha aliada de Joncour que se dispõe a fazer de ponte, entre o viajante e a amante inalcançável, servindo de tradutora e aquilo que tem ao alcance da mão. A carta erótica que Madame Blanche entrega a Joncour, proveniente da mulher que o ama, contém um discurso pautado por uma paixão inexcedível, a raiar o sublime, numa linguagem cuidada e literária,mas explicitamente sensual, onde não falta o sentido poético dos Hai Kai. Um belo manto de seda, transformado em palavras que deslizam na pele.


O romance termina com um epílogo que se encaixa na alteração das relações económicas entre Oriente e o Ocidente e que são em parte responsáveis pela alteração radical do estilo de vida de Joncour. Desse tempo, agora perdido, Alessandro Baricco faz a apologia da memória de uma viagem ao Oriente longínquo, a um amor impossível e a homenagem ao amor conjugal. Numa escrita tão leve como a peça de seda que Joncour traz do Oriente para Hélène, a escrita de Alessandro Baricco flui como que caindo suavemente, amparada pela bisa ou correndo ao sabor do vento.

No final, restam apenas fragmentos de memórias de um passado, onde os momentos felizes são tão breves e fugazes como a passagem do véu de seda laranja, usado pela concubina de Hasa Kei.


Lembranças frágeis e fugazes, mas inesquecíveis como as flores azuis – miosótis? – que adornavam os dedos de Madame Blanche…


Cláudia de Sousa Dias